segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Estiagem

No mar, veremos

Pescador de rio pequeno
coloca tudo nos eixos:
seu aço guardado em sótão
sua lança quebrada ao meio

Sabe o rumo da tormenta
o passo da palometa
o avesso de toda malha
o limo sob o sereno

Pescador de rio moreno
charrua de preta escama
seu barco já está a prumo
aguarda a voz do minuano

E se vier o mar
com séquito de sereias
a espuma em seu território
a carne suja de areia?

E se vier o mar
usando arpões de baleia
sargaços ardendo em febre
gáveas altas como estrelas?

Pescador tem a resposta
dobrada em lenço vermelho
que aviva os sonhos do sótão
de aço posto nos eixos

Pois o mar é uma lenda
cultivada pelo vento
a porta de um outro mundo
maré de água estrangeira

é uma espécie de terror
com batalhão de tridentes
generais do imperador
roubo de comerciantes

O mar, para um pescador
criado em água corrente
nos arames dos arroios
entre os moirões das fazendas

é uma dança pelo avesso
a trilha do formigueiro
metralha sob a vanguarda
canhão contra baioneta

Pois se vier o mar, veremos
o barco a remo do pampa
puxando um cordão guerreiro

para atiçar a batalha
para tingir os valentes
para costurar a mortalha
do sal que resseca a rede

que suga o sangue farrapo
com sua manha de peixe

Pescador vem do levante
e um milhão atrás dele

Nei Duclós - Poeta uruguaienense